O desinteresse da ‘manifestação de interesse’ hoje

Janeiro de 2025

Link da Noticia: https://expresso.pt/opiniao/2025-01-11-o-desinteresse-da-manifestacao-de-interesse-hoje-67579692

Gilda Pereira - CEO
Gilda Pereira CEO

A vida está em constante mudança e muito do que possa ter feito sentido no início deste século, deixou de se justificar em 2025. É assim com a ‘manifestação de interesse’, quer na forma, modo e nos seus efeitos práticos que não estão alinhadas com as políticas migratórias da União Europeia.

Passo a explicar:

A ‘manifestação de interesse’ foi introduzida pela Lei de Estrangeiros de 2007 como uma solução para imigrantes que chegavam a Portugal ou que já se encontravam sem um visto específico que permitisse o exercício da sua atividade profissional. Esse procedimento permitia que, após obter um contrato de trabalho ou prestação de serviços, o imigrante pudesse formalizar a intenção de se regularizar no país.

Nessa época, o regime era utilizado por trabalhadores oriundos do leste europeu e dos países africanos de língua portuguesa (PALOP). Uns e outros encontravam-se maioritariamente em situações de subemprego ou procuravam aqui melhores condições de vida. Na altura não existiam tantas opções de vistos para o exercício de uma atividade profissional como as que estão atualmente previstas na lei. Mesmo um simples visto de trabalho era demasiado burocrático e difícil de obter! Deixo o exemplo de uma das maiores dificuldades encontradas: a simples exigência de uma publicação para a vaga de emprego.

O sistema de então ditava que esta vaga teria de ser publicada no Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e só se poderia avançar com o pedido de visto de trabalho depois da entidade atestar que não existia nenhum trabalhador em Portugal ou noutro país da União Europeia capaz de ocupar esse cargo. Ficavam assim dois processos pendentes. Invariavelmente, devido ao elevado tempo de análise e à burocratização excessiva, a maioria das entidades empregadoras acabavam por desistir do processo.

Isto levou a que fossem criadas as válvulas de escape na legislação dos estrangeiros para regularizar todos os que se encontravam em Portugal sem visto adequado, mas que, tendo um emprego estável e descontos da segurança social em dia, pudessem permanecer no país com uma autorização de residência válida.

Quando é que deixou de fazer sentido a ‘manifestação de interesse?’

O espírito do legislador ao criar aquilo que designamos por manifestação de interesse era que existisse uma exceção à regra para quem se encontrasse a trabalhar em Portugal. No fundo, para que quem tivesse fixado raízes pudesse regularizar-se. Há algum tempo que isso deixou de ser assim.

O mecanismo tornou-se o contrário do que era suposto. Foi norma para muitos empregadores e imigrantes devido ao aumento exponencial da imigração no país, a falta de mão-de-obra e o sistema foi ficando gradualmente obsoleto. Processos cada vez mais morosos, com muitos a permanecerem até 3 anos, desde a submissão do pedido até à sua análise efetiva. Um acumular que se estima em cerca de 500.000 processos pendentes de análise por parte da AIMA e que também gerou novos oportunistas, aproveitando-se estes da situação vulnerável em que se encontram algumas pessoas, explorando-as com salários miseráveis, enquanto as mantinham em condições desumanas para que pudessem ser chamadas com o propósito de regularizarem a sua situação.

A isto acresce que com a demora na análise dos processos, os imigrantes que submetiam a ‘manifestação de interesse’, embora estando a descontar para a segurança social, não lhes viam atribuído nenhum número de utente, muito menos qualquer direito ao reagrupamento familiar. A situação piora quando surge a necessidade de terem de se ausentar de Portugal porque a ‘manifestação’ não é reconhecida legalmente em mais nenhum país do mundo.

Hoje, a nossa legislação do direito dos estrangeiros prevê diversos vistos de trabalho, vistos de prestadores de serviço e até um de procura de emprego. A solicitação já não é tão burocrática como há 10 anos e por isso mesmo, faz pouco sentido manter um sistema que coloca os imigrantes num limbo. Um limbo muitas vezes desumano e que não se coaduna com a mais básica das condições que devemos assegurar a qualquer ser-humano.

Com o documento correto emitido nos seus países de origem, com a garantia de um contrato de trabalho ou prestação de serviços no país de destino, qualquer estrangeiro poderá chegar a Portugal e ver os seus direitos mais acautelados, bem como a sua mobilidade geográfica garantida.

Regresso à ideia inicial e chave ao longo deste meu artigo: num tema tão relevante e predominante como será o da imigração neste século, importa sermos capazes de perceber quando se justifica a mudança nas políticas públicas. Aplicar aqui a velha máxima de Charles Darwin da mudança ser mesmo a única constante para a melhoria.

Por tudo o que dependemos e ganhamos a todos os níveis com os velhos e novos imigrantes, pelos fluxos em crescendo, pela forma como mudou e continua a mudar, o que fez sentido ontem pode ter deixado de fazer sentido hoje.

É manifestamente esse o caso aqui.